7.2.10
O Problema «Socrático»
Escrevo hoje, mais uma vez, sobre um tema desagradável, para mim especialmente irritante, por repetitivo e invariavelmente confirmativo da opinião sempre manifestada e agravadamente retomada.
Falo da pulsão de Sócrates em relação ao controlo do Poder, por todos os meios possíveis, legais ou ilegais e da doença que acometeu o Partido de que ele é dirigente, que tudo lhe permite, tudo lhe aceita e tudo encontra maneira de justificar, desonrando completamente, com tal atitude, a sua história e algum nobre currículo que, ao longo dela, reconhecidamente angariou.
Depois de ter lido, no fim da tarde de ontem, o excelente trabalho jornalístico do Semanário Sol, em que, a par da investigação desenvolvida sobre a obsessão controladora do actual Primeiro-Ministro relativamente à Comunicação Social, de que nasce a pretensão de fazer desaparecer do seu seio todos os que se revelam críticos das suas acções ou projectos políticos, surgem também transcritos, no Semanário, extensos despachos de Magistrados Jurídicos, sustentando a existência de uma conspiração urdida a partir dos círculos íntimos do PM, com o assentimento deste, para concretizar tão hediondo propósito; depois de ter lido toda a matéria publicada no jornal de José António Saraiva, que aqui, de novo, aparece a honrar a sua paternidade, sinto-me como que obrigado a lavrar o meu consequente repúdio cívico de mais um caso de escabroso comportamento político, oriundo justamente de quem se esperaria, não só que o não cometesse, como, pelo contrário, o evitasse e o combatesse, onde quer que ele despontasse.
Nunca, desde 1974, nem no tempo da maior convulsão política pós-revolucionária, houve um tal propósito tão atrevido e tão descarado de controlo da Informação, no País; nunca um PM se preocupou tanto com o controlo político da Informação e nunca se levou tão longe a ânsia de domínio partidário da Comunicação Social.
Que isto dimane de um Partido que conquistou adeptos pela defesa da Liberdade de Imprensa, que denunciou nacional e internacionalmente o assalto ideológico e efectivo ao jornal República, nos idos de 1975, surpreende e enoja.
Como foi possível que um grupo de aventureiros, sem particular formação política, sem nenhuma história de apego a ideais cívicos, em poucos anos se tivesse apropriado do Poder, primeiro no âmbito partidário e depois, no nacional, ganhando eleições e alcançando maiorias, uma delas até absoluta ?
Como se consegue explicar este fenómeno político ?
Embora sinta dificuldade em responder, direi, em primeiro lugar, que isto só é possível numa sociedade já profundamente degradada, etica e civicamente, como aquela em que vivemos.
O favorecimento do chamado pragmatismo político, no rescaldo mundial das falências ideológicas, preparou certamente o caminho para o aparecimento destes bandos de cínicos, arrivistas esforçados, carreiristas sem pudor, nem escrúpulos, que, enganando massas entontecidas por horas intermináveis de programas televisivos imbecilizantes, encontraram a sua nociva tarefa grandemente facilitada.
Pergunto-me, no entanto, como é possível que meros rapazolas de trinta e poucos anos, habilitados com diplomas de licenciaturas da banha da cobra, passados por Escolas, Institutos e Universidades de pura ficção, forjem, em poucos anos, carreiras ditas de sucesso, atingindo o topo de grandes Empresas, tidas por institucionais e de referência, ao mesmo tempo que nessas mesmas Empresas profissionais probos e competentes, dedicados às suas especialidades, com cursos exigentes tirados em instituições de alta credibilidade, aí se arrastem, progredindo lentamente, sem nunca lograrem alcançar lugares de topo, cumulados de mordomias e privilégios, concedidos num ápice a essas supostas vedetas de propulsão político-partidária ?
Como foi possível atingirmos esta autêntica perversão profissional, ética, cívica e social, sem o consequente repúdio e reacção adequada da restante parte sã da Comunidade ?
Lê-se e custa a acreditar, como esses jovens turcos, catapultados por nomeações políticas, assumem cargos de administração de Empresas, que eles profundamente desconhecem, mas onde vão arrecadar anualmente milhões de euros, quais vedetas do Futebol milionário.
Quem ditou, aprovou e sancionou as enormes diferenças salariais existentes entre a média e o topo das remunerações dessas Empresas, onde partidos políticos, por intermédio das tutelas, exercem o seu critério privilegiado de escolha e nomeação para os cargos de mando, opiparamente premiados em espécie e em dinheiro ?
Como se compreende que um Partido dito socialista tenha tanta apetência pela alta administração da Banca, das Empresas e dos Negócios, em geral, e dê tão pouca atenção aos problemas sociais das classes mais atingidas pelas restrições económicas e sociais, a ponto de ter patrocinado, com Sócrates, uma Lei Laboral ainda mais restritiva para os direitos dos trabalhadores que a anterior, do Governo de Barroso-Santana, na altura apelidada, pelo mesmo Partido dito Socialista, de iníqua, revanchista, obra de uma Direita política, cega e insensível para com os direitos dos mais desfavorecidos ?
Que respeito nos devem merecer figuras, geralmente consideradas como reserva da consciência moral da sociedade, pais putativos do actual regime político, que, ainda há poucos anos, violando o princípio da solidariedade institucional, clamavam contra os perigos do economicismo, da obsessão com o défice orçamental, da degradação do Sistema Democrático, etc., e hoje se calam perante toda a espécie de atropelos, só porque praticados por seus supostos correligionários ?
Que deveremos dizer aos que, por comodismo, se refugiam na indiferença, alegando falta de alternativa política válida ao presente elenco governativo ?
Estaremos realmente convencidos que não se consegue forjar alternativa política ao pesadelo de Sócrates ?
Estará a nossa Pátria já tão debilitada, desmoralizada e descrente que não seja capaz de produzir outro tipo de gente para as tarefas da Governação ?
Quanto tempo mais o País aguentará este tipo de Governação medíocre, incompetente, trapalhão, permanentemente sob suspeita ?
Que pensarão os militantes, simpatizantes e votantes do PS, honestos, trabalhadores, patriotas, afastados das mordomias do Poder e que sofrem também as consequências nocivas das práticas políticas do círculo «socrático» ?
Sentir-se-ão obrigados a justificar todos os actos, todas as manobras, todas as manipulações do Poder «socrático», só porque um dia, animados de um propósito honesto, lhe deram o seu voto ?
Que ganharão eles com tão irracional solidariedade ? E o País, que tem este ganho com a permanência de Sócrates no Poder ? Que progressos têm sido obtidos ?
Quando os militantes socialistas, após os actos eleitorais, gritam que ganharam, que é que, em verdade, eles ganharam, para além da efémera noite de exagerada agitação e euforia ?
Contentar-se-ão os portugueses em eleger sistematicamente a solução política menos má, sabendo implicitamente que não estão a escolher os melhores, mas apenas os menos maus ?
Terão consciência de que assim nunca mais, ou só por acaso, terão alguém que preste à frente dos Partidos, das Instituições e dos Governos ?
Muitas perguntas subsistem ainda da leitura do dossier Face Oculta :
Como se entende que um caso classificado por dois Magistrados, sendo um Juiz, como configurando crimes contra o Estado de Direito, puníveis com penas de prisão, seja considerado como contendo matéria criminalmente irrelevante por duas das mais altas figuras deste mesmo Estado de Direito, o Procurador Geral da República e o Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ?
Porque levou tanto tempo a agir no processo o PGR, uma vez que os despachos dos Magistrados de Aveiro são de antes do fim do Junho de 2009, entregues na Procuradoria por mão própria, logo de imediato ?
Recorde-se que o PGR só divulgou a existência do Processo a meio do mês de Outubro de 2009, ou seja, cerca de 3 meses depois da sua recepção, quando se lhe pedira celeridade no mesmo ?
Pode também referir-se, para os mais renitentes, que tudo atribuem ao acaso, a sucessiva ocorrência dos seguintes factos, não suposições : afastamento de Eduardo Moniz da Direcção da TVI, fim do Jornal da 6ª à noite, com o consequente afastamento da sua responsável Manuela Moura Guedes, afastamento do Director do jornal Público, José Manuel Fernandes, ameaças frequentes de anulação do Programa de Marcelo Rebelo de Sousa, na RTP, recusa de publicação de um artigo do jornalista Mário Crespo, num jornal tido por favorável ao poder «socrático».
Esta sequência de factos tem como denominador comum a circunstância de as acções persecutórias recaírem sempre sobre intervenientes na Comunicação Social adversários de Sócrates ou simplesmente pessoas não domesticáveis pela influência «socrática», pessoas que, de resto, tinham sido várias vezes nomeadas em público por Sócrates como realizando um trabalho na Comunicação Social, que lhe merecia toda a sua reprovação ou até indignação, como era o caso de Manuela M. Guedes na TVI.
Esta verificação que faço não envolve sequer qualquer juízo de valor quanto ao mérito ou demérito das pessoas mencionadas. Trata-se tão-só da enunciação de factos de todos conhecidos.
Só alguém verdadeiramente obcecado pelo controlo da Informação pode envolver Empresas, como a PT, que para isso se prestam os seus putativos administradores lá colocados pelo Poder «socrático», para promoverem jogos de compra e venda de outras Empresas, para dessa forma se efectuarem os requeridos saneamentos das figuras julgadas incómodas ao dito Poder.
Tudo isto evidentemente se passa mobilizando recursos públicos, como se fossem privados, para agradar a personalidades caprichosas, se não mesmo não malignas.
Aos poucos, o Poder «socrático» conseguiu domesticar largos sectores da Comunicação Social pública ou com participação estatal e até órgãos de comunicação privados, aliciados por promessas de contratos de Publicidade, de outra forma negados, com o inevitável estrangulamento financeiro dos mesmos.
O caso do Sol foi, neste aspecto, absolutamente paradigmático, como revelou o seu Director, o denodado José António Saraiva, que tem conduzido uma luta áspera contra a nefasta influência «socrática», aparentemente, até ao momento, bem sucedida.
Se nada disto impressiona as pessoas, nomeadamente, os que pertencem ou são simpatizantes do PS, então como se podem estes sequer intitular democratas, já que de socialistas pouco neles restará ?
Aos que acham tudo igualmente perverso e se recusam a tomar posição, poderá apontar-se-lhes que, com tal atitude, demonstram não ser dignos de fruir um regime democrático, qualquer Ditadura lhes serviria, porque esta, ao contrário da Democracia, não lhes pede nenhum tipo de participação política, apenas lhes impondo obediência às suas normas e leis, por regra, indiscutíveis.
Perante o ambiente criado, compreende-se que Cavaco Silva se mostre cauteloso e até apreensivo.
Tivesse ele mais confiança nos agentes políticos da Oposição e provavelmente já teria despedido este Governo, que frequentemente o provoca, procurando diminui-lo, desacreditá-lo, como árbitro político, parecendo apostar numa possível vitimização, imaginando que com isso lhe bastaria depois montar o seu habitual carrossel político, as suas orquestradas romarias, para iludir o manso e ceguinho povinho, capaz de lhe atribuir nova maioria absoluta.
Julgo que muita gente da corte «socrática» acreditará já que tal urdidura política contará com forte probabilidade de êxito.
E, meus caros concidadãos, reconheça-se o perigo, no actual estado de alienação da população portuguesa, sujeita a intensa e permanente manipulação política, por parte do Poder «socrático», que conta com inúmeros serviçais, em muitos órgãos da Comunicação Social, tal cenário atrás aludido afigura-se, na realidade, como bem possível.
Para o evitar, para o esconjurar, torna-se mister que muitos para isso contribuam, desde logo, saindo da indiferença e denunciando as perversões políticas que vêem praticar.
Isto, naturalmente, se quiserem ou estimarem viver em regime democrático, se acalentarem algum sentimento patriótico ou de solidariedade, genérico que seja.
Caso contrário, não se lastimem depois da apagada e vil tristeza do meio em que caírem.
AV_Lisboa, 07 de Fevereiro de 2010
Adenda :
Tendo estado a ver, na RTP1, o programa «As Conversas de Marcelo», foi com espanto que notei a colocação deste assunto em quarto ou quinto lugar, na ordem de abordagem de Marcelo.
Aparentemente, este deixou que Maria Flor Pedroso, uma flor do viveiro esquerdista da TSF, esquerdistas grandemente sintonizados com Sócrates, como este gosta naturalmente que sejam todos, esquerdistas ou não, fosse elegendo para a sua apreciação temas absolutamente secundários, até que finalmente chegou ao que verdadeiramente interessava nesta sessão. Marcelo disse coisas acertadas, mas demasiado benevolentes, para a acção de Sócrates.
Aparentemente, este deixou que Maria Flor Pedroso, uma flor do viveiro esquerdista da TSF, esquerdistas grandemente sintonizados com Sócrates, como este gosta naturalmente que sejam todos, esquerdistas ou não, fosse elegendo para a sua apreciação temas absolutamente secundários, até que finalmente chegou ao que verdadeiramente interessava nesta sessão. Marcelo disse coisas acertadas, mas demasiado benevolentes, para a acção de Sócrates.
Quando perguntado sobre a razão de ser do pedido de demissão do PM, Marcelo classificou o pedido de absurdo, de tonteria, como disse, sem enquadrar devidamente a questão.
Só por haver fundado temor de, em face da fraca alternativa política visível na presente Oposição, em novas eleições, se repetir o resultado das últimas, é que o caso não seja de considerar de imediato. Já pelos motivos, ele os há mais do que suficientes para a dissolução da Assembleia e a consequente convocação de novas eleições.
Vejamos a crueza dos factos : em que outro País da Europa um PM pode usar Empresas que se encontram sob tutela do Estado, para promover compras e vendas de outras Empresas, com o fito único de obter o afastamento de simples jornalistas, que lhe não são simpáticos ou que o criticam, aliás, com toda a razão e sentido de oportunidade, tão numerosos são os motivos de censura do comportamento pessoal e governativo de José Sócrates.
Sintomaticamente, este nunca surge a negar a veracidade das transcrições das escutas, apenas contestando a sua validade jurídica. Esta, porém, não pode erguer-se sobre uma mentira colossal. E aqui é que reside o ponto crucial da questão. Creio que pouca gente, hoje, com um mínimo de percepção política, terá dúvidas sobre a participação de Sócrates neste plano maquiavélico de controlo da Comunicação Social.
Marcelo fala na hipersensibilidade de Sócrates relativamente a problemas de imagem. Ora, o caso é diferente. Trata-se de algo muito mais grave, tal como escreveu o Magistrado de Aveiro, ou seja, a concepção, a planificação e a activação de um projecto sinistro de controlo da Comunicação Social, com a concertação de Empresas sob tutela do Estado, com vista ao afastamento de profissionais considerados contrários às suas opiniões e acções políticas.
Note-se que os jornalistas sob perseguição apenas pretendem exercer um direito normal, em qualquer regime democrático, como o exercício da liberdade de opinião, sem constrangimentos, nem condicionamentos de nenhuma espécie.
Marcelo foi, assim, bastante brando com Sócrates. Por aqui, de resto, se percebe por que razão Sócrates tem tido tanto sucesso na sua carreira política. Na verdade, não tem tido adversários à sua altura. Talvez, o político da Oposição que mais se tenha aproximado do nível de combatividade desejável para desfeitear Sócrates tenha sido Paulo Rangel, politicamente muito mal empregado numa frente de combate demasiado distante do centro do Poder.
Até que surja alguém politicamente à altura da gravidade da situação, Portugal continuará a sofrer as consequências nocivas da governação «socrática», que se vai penosamente prolongando no tempo, sem crédito, sem autoridade, sem capacidade de concitar o respeito e o desejado empenho da maioria da população, nas tarefas ingentes da reanimação económica e social do País.
Entretanto, a crise vai-se agravando e Portugal vai-se afundando, inexoravelmente...
AV_Lisboa, 07 de Fevereiro de 2010